Por: Eraldo Paulino
Através da agroecologia, as mulheres vêm retomando papel de
liderança retirada delas por milênios de patriarcado e gradativamente são introduzidas
novas relações políticas, com a família, com a natureza e com o próprio corpo a
partir da liderança feminina no campo. Um dos exemplos dessa experiência foi
vivida no Pará, de 2010 a 2012 no projeto “Mulheres do Campo”, realizado em 19
municípios pela Associação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes (APACC),
na região do Baixo Tocantins, em parceria com o Movimento de Mulheres do
Nordeste Paraense (MMNEPA), na região contida no nome da entidade, com
financiamento da União Europeia (EU) e Pão Para o Mundo (PPM).
Nos primórdios da história da humanidade no ocidente, as
sociedades eram nômades. Essas mulheres e esses homens do campo viviam um tempo
de profunda harmonia e respeito com Gaya, sob a liderança das mulheres. Consequentemente
o culto ao sagrado reverenciava a figura do feminino, porque as mulheres geram
a vida. Vários símbolos dessa época resgatados por arqueólogos fazem menção ao
útero, à vulva e outros elementos típicos da mulher. Nessa época, segundo
estudos antropológicos, prevalecia uma relação horizontal, um poder “Com”, até
que homens dominaram técnicas, subjugaram outras famílias, criaram estados e
impérios e relegaram à mulher o papel de consortes, donas de casa, pessoas do
silêncio; essa relação vertical também afetou a natureza, pois o cultivo da
terra passou a ser colocada sob os ideais de poder, gerando o desequilíbrio
alarmante da atualidade.
Quando as mulheres retomam essa liderança, na agroecologia,
na economia solidária, e em espaços de poder, é como se parte dessa história
que foi interrompida pela ganancia do patriarcado fosse retomada, produzindo
resultados que beneficia a todas e todos, e ao meio ambiente.
RESULTADOS
Em números, o projeto que tinha como foco saúde da mulher,
maior participação política, agroecologia e segurança alimentar, conseguiu
resultados como de 94,44% e 86,11% de participação das mulheres em organizações
sociais no Baixo Tocantins e no Nordeste Paraense, respectivamente após três
anos de projeto. Nessas, seguindo a mesma ordem, 57,41% e 77,61% em cargos de
direção.
Mas o que mais encanta não são os números, e sim os
depoimentos de quem experimenta agroecologia sob o protagonismo da mulher. “Antigamente
era triste olhar pras crianças da nossa comunidade vê-las todas com a barriga
grande, porque a gente basicamente plantava só mandioca pra vender farinha, e
nossa base alimentar não era nossa prioridade. Hoje em dia, quando a gente vai
plantar, nos preocupamos com o meio ambiente e com o bem estar da nossa
comunidade, por isso a gente planta coisas que servem ao nosso próprio alimento
e plantas medicinais que servem pra nossa saúde”, relatou Francisca da Silva
Gama, de 54 anos, membro da comunidade quilombola São José de Açaiteua.
O marido dela, Geraldo Oliveira Gama, de 65 anos, comentou com
carinho o que significa ser liderado pela esposa, enquanto conta tudo o que a
comunidade conquistou graças à agroecologia. “Quando a mulher começou a
participar do movimento de mulheres, ela
descobriu formas de comercialização dos produtos que permitem hoje a
gente plantar com a certeza de que vamos ter como vender. A gente olha hoje pro
nosso quintal, e percebe ele produtivo, e olha pro nosso lote, e percebe que
não fazemos mais hoje queimadas pra plantar. Me orgulho de ter uma esposa
atuante”, pontua.
“O que colhemos na safra utilizamos mais para o nosso
próprio consumo, e nos demais meses vivemos do que conseguimos vender”, relata dona
Catarina Lopes, de 58 anos, da Associação Agroextrativista dos Moradores de
Ajó, em Cametá – PA. Nessa comunidade, como em todas as que foram apoiadas pelo
projeto, percebe-se que muitos lotes e muitos quintais estão sendo
reflorestados ou preservados porque as pessoas foram convencidas de que é
possível ter lucro e viver melhor sem perder o verde e prejudicar as matas
ciliares.
“Nesse projeto conquistamos muito mais do que resultados
numéricos, conquistamos a experiência num caminho que percebemos ainda mais
aberto a partir do que foi possível fazer. Tenho certeza que o exemplo dado por
essas mulheres cativa outras na comunidade, e assim podemos sonhar ainda mais
com um futuro com maior segurança alimentar, maior participação e saúde da
mulher, e uma outra lógica no campo, que não a do agronegócio patriarcal, e sim
da agroecologia, que tem muito de feminista”, analisou Rita Teixeira, uma das
coordenadoras do projeto.
“As mulheres do mundo que experimentam a agroecologia de
forma protagonista não plantam somente na terra, mas nos corações e mentes das
pessoas, pois são mulheres do cuidado, não só com a terra, mas com a humanidade”,
avaliou Nilde Souza, do Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense.
A iniciativa dessas mulheres em agroecologia é de extrema importancia para o desenvolvimento sustentável.
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